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Cornelius Pieper, diretor executivo e sócio sênior do BCG: "Está cada vez mais claro para muitas empresas que a transição será um motor de crescimento muito importante, não apenas na indústria, mas também para os novos setores da economia" (BCG/Divulgação)
Repórter de ESG
Publicado em 6 de dezembro de 2024 às 08h00.
Se, por muito tempo, a indústria foi considerada um dos setores mais difíceis para a redução das emissões, porque era simplesmente "complicado demais" ou porque a tecnologia necessária não existia, hoje o progresso mudou esse cenário – e os problemas são outros.
Cornelius Pieper, diretor executivo, sócio sênior e líder global de Clima e Sustentabilidade para a prática de Industrial Goods do Boston Consulting Group (BCG), dedica há mais de 20 anos sua carreira para ajudar as empresas na transição para uma economia de baixo carbono e frisa que o grande desafio do momento são as barreiras financeiras e de escala da tecnologia já existente.
"Embora você tenha a base tecnológica, esta ainda não é escalável e amplamente distribuída. Os custos ainda estão muito altos, e isso torna particularmente difícil tirar projetos do papel inicialmente", disse em entrevista exclusiva à EXAME, em sua passagem pelo Brasil.
Morador de Boston (EUA), Pieper já participou das delegações de consultoria das últimas quatro Conferências do Clima da ONU (COPs), inclusive na COP29 em Baku, e atualmente lidera a participação do BCG junto à First Movers Coalition do Fórum Econômico Mundial - uma coalizão global de empresas comprometidas a contribuir para a descarbonização dos setores que mais emitem no mundo.
Segundo o executivo, os problemas atuais para o desenvolvimento de soluções verdes podem ser entendidos numa lógica de "ovo e galinha" -- em alusão a um dilema de interdependência entre financiar grandes ativos e os contratos de compra, sem saber 'qual vem primeiro'.
De um lado, o financiamento: investidores e bancos só estão dispostos a liberar recursos se houver contratos para viabilizar, pensando em segurança e redução de riscos. E de outro, as empresas e consumidores só se comprometem com os contratos de compra, se o projeto estiver garantido.
Embora seja uma dualidade difícil de superar, Pieper é otimista quanto ao futuro: "Quando você vê os primeiros exemplos acontecendo, isso se torna um ciclo virtuoso. Eu vejo grandes empresas sendo mais ambiciosas, mesmo em um ambiente financeiro complicado. E está cada vez mais claro para muitas que a transição será um motor de crescimento muito importante, não apenas na indústria, mas também para os novos setores da economia", destacou.
Ao olhar para as curvas históricas de adoção de novas tecnologias desde a década de 1850, ele ressalta que a evolução é sempre a mesma: o desenvolvimento não é linear, começa muito devagar e depois acelera. E é esta dinâmica que Pieper acredita que as empresas devem estar atentas em relação às tecnologias necessarias rumo a um futuro mais sustentável.
"A colaboração é a chave para superarmos os desafios financeiros e tecnológicos da descarbonização", diz Pieper. Esta palavrinha mágica envolveria o setor público e privado, criando uma rede de empresas e investidores que estão dispostos a dar um passo à frente e financiar as soluções verdes que ainda tem dificuldade para ganhar escala."Nenhum dos dois irá resolver o problema sozinho. Ambos precisam trabalhar juntos para construir o ecossistema necessário para essa transição", acrescentou.
Neste sentido, entra a importância do mercado de carbono regulado e com regras bem definidas, frisou. "O setor privado precisa de um sistema de preços mais confiável, ele não pode se arriscar sem saber qual é o preço das emissões daqui a cinco anos. E isso ainda está em um lugar muito variável. Já quando se fala de financiamento de mercado para grandes ativos, é claro que você precisa de um sistema de precificação de carbono mais forte", explicou.
A regulação global deste mercado aconteceu na COP29, em Baku, contemplada pelo artigo 6 do Acordo de Paris, o que foi considerado um avanço no combate à crise climática.
Para Pieper, o momento que estamos vivendo é de grande transformação e ele acredita fortemente que os próximos anos terão uma aceleração significativa de investimentos em soluções de baixo carbono.
"Cada vez mais empresas reconhecem a importância da sustentabilidade, não apenas para o meio ambiente, mas também para seus próprios negócios e a criação de valor a longo prazo. É uma enorme mudança de mentalidade, nós vemos um real compromisso do setor privado em agir, e isso está gerando resultados concretos", reconheceu.
Em relação às tecnologias verdes para a transição da indústria, Pieper acredita que a resposta está na combinação delas. O núcleo seria a energia renovável, com foco em eólica e solar. Junto a elas, as baterias surgem como uma forma de gerenciar as flutuações, para o armazenamento da eletricidade.
"Quando você pensa em processos industriais que podem ser descarbonizados pela eletricidade, é preciso pensar em fontes limpas. O hidrogênio verde é um componente-chave para muitos dos processos químicos, pensando em amônia e fertilizantes, e para a produção de todos os tipos de combustíveis, aço e outros elementos críticos", ressaltou.
Outra fundamental seria a captura de carbono, uma inovação que visa reduzir a quantidade de dióxido de carbono (CO₂) liberado na atmosfera -- e relevante especificamente para a indústria de cimento, disse o especialista.
Ele também conta que está bastante empolgado com o armazenamento térmico, uma tecnologia ainda não tão visível e que está em estágios iniciais. "Especialmente no tema da descarbonização industrial, é uma ponte fantástica entre as energias renováveis flutuantes e as indústrias de processo que precisam de um fornecimento contínuo de calor 24 horas por dia", explicou.
Atualmente, a oportunidade tem sido bastante debatida com o advento da inteligência artificial, que requer um alto consumo de energia em data centers.
No fim, Piper acredita que será a combinação e a interação dessas diferentes tecnologias e em escala que nos ajudarão a chegar lá. Pensando nas vantagens estratégicas que o Brasil tem pela abundância em recursos naturais e matriz energética predominantemente renovável, ele acredita que o primeiro passo é aproveitar as potencialidades.
Seja em biomassa, para vários processos de descarbonização industrial, em matérias-primas verdes, como bio-materiais para produção de produtos químicos ou também em biocombustíveis para a eletrificação.
"Eu não diria que todo país precisa produzir todas as tecnologias sozinho. Mas eu acredito que todos se beneficiam do comércio e devem olhar para suas vantagens específicas. No fim, é sobre chegar à escala", frisou.
Quando questionado sobre o que espera da COP30 no Brasil, Pieper se diz ansioso e reitera que é um grande momento para a política climática global. Afinal, são 10 anos após o Acordo de Paris firmado na COP em 2015, e é preciso se fazer um balanço e reportar sobre o progresso.
"Tenho esperança de que será uma grande oportunidade para muitos stakeholders e organizações diferentes, além da sociedade civil, participarem e se unirem. Há potencial para levar o processo da COP adiante de forma significativa e eu tenho ouvido muita antecipação positiva por parte dos meus clientes da indústria", contou.
Em relação à COP29 neste ano, ele complementou que o foco não foi na descabonização da indústria em si (como na COP28 em Dubai) -- e sim no financiamento climático da transição. Em 2025 em Belém do Pará, o mundo deve avançar em outras pautas importantes e o Brasil traz todo seu potencial em soluções verdes e florestas.