Tornar o desenvolvimento de aplicativos acessível para quem não tem nenhum conhecimento em programação de código pode ser o próximo passo da inteligência artificial. Ao menos esse é o objetivo do GitHub, principal plataforma colaborativa de desenvolvimento de softwares. A empresa, comprada pela Microsoft em 2018 por US$ 7,5 bilhões, apresentou nesta terça-feira, em São Francisco, na Califórnia, a nova ferramenta com a qual pretende massificar a habilidade de programação.
Chamada de Spark, o sistema usa IA para que usuários criem apps a partir de comandos em texto, como em uma conversa. Depois do prompt (comando) inicial, o sistema exibe uma prévia da aplicação em alguns segundos. A ideia é permitir a criação dos micro aplicativos, chamados de "sparks", que podem integrar recursos de IA e fontes de dados externas.
O recurso é gratuito, mas é preciso se inscrever em uma fila de espera para poder acessá-lo. A empresa diz que está focada "em aprender com os usuários" para depois definir se e como irá precificar o serviço.
Depois do comando inicial, os usuários podem comparar versões e pedir alterações no app. Para programadores experientes, será possível fazer modificações diretamente no código. Usuários não-desenvolvedores podem fazer os pedidos de mudança diretamente para a IA. Após a criação, os aplicativos rodam em desktops, tablets ou celulares.
Meta de 1 bilhão de usuários
O plano de permitir o desenvolvimento de programas por qualquer pessoa faz parte de uma meta do GitHub de chegar a 1 bilhão de usuários, dez vezes mais que o patamar atual. Em coletiva de imprensa, Thomas Dohmke, presidente-executivo da empresa, disse que o número poderia ser atingido "até a próxima década".
—Por muito tempo, houve uma barreira intransponível para a maioria da população mundial no desenvolvimento de software — afirmou Dohmke na abertura do GitHub Universe, evento que reuniu 3 mil pessoas em um centro cultural na cidade próxima ao Vale do Silício, o polo que abriga as big techs.— Com o Spark, vamos capacitar mais de um bilhão de usuários de computadores pessoais e celulares a construir e compartilhar seus próprios micro apps diretamente no GitHub.
A maior plataforma colaborativa de desenvolvimento de software do mundo, o GitHub tem sido um dos principais motores para disseminar a IA entre programadores. Desde 2021, em parceria com a OpenAI, a empresa oferece o Copilot, um assistente que dá sugestões, completa trechos de código e identifica possíveis erros.
Segundo dados da própria empresa, a IA já é responsável pela criação de quase metade dos códigos na plataforma, chegando a 61% em algumas linguagens de programação.
Diante do temor de que programadores possam ser substituídos pela IA, Dohmke acrescentou que os micro apps não são projetados para substituir desenvolvedores profissionais, mas para permitir que usuários comuns criem "pequenos bots e ajudantes diários"
Chefe da equipe do GitHub Next, braço de pesquisa e desenvolvimento da plataforma, Jonathan Carter diz que a empresa espera que o sistema Spark permita a "personalização" da vida digital. Ele cita, entre as possibilidades de uso, a criação de ferramentas de gerenciamento financeiro, rastreadores de saúde e organizadores de eventos sociais. Nos planos da empresa, está também possibilitar a criação de agentes automatizados que ajudem em tarefas específicas.
— No longo prazo, nosssa visão é que cada pessoa no mundo possa criar e manter seu próprio software — diz Carter, em entrevista ao GLOBO. — Idealmente, até minha avó poderia criar um app com facilidade e usá-lo para algo social com amigos, por exemplo. É uma visão radical que levará tempo, mas acreditamos que será possível facilitar experiências significativas e personalizadas para qualquer pessoa.
No futuro, queremos que o Spark cresça e permita que os usuários criem aplicativos com agentes inteligentes para realizar tarefas e alcançar objetivos específicos"
Parceria com Google e Atrophic
Para gerar os sparks, os usuários poderão escolher entre modelos de inteligência artificial: o da OpenAI, criadora do ChatGPT, e da concorrente francesa Antrophic, do chatbot Claude. A possibilidade de escolher entre diferentes modelos de IA vai valer também para programadores profissionais que usam o Copilot.
A partir desta semana, o GitHub afirmou que irá tornar o Copilot "multi-modelo". Isso significa que os desenvolvedores poderão escolher entre os modelos da OpenAI e também da Anthropic e do Google, em parcerias que foram reveladas nesta terça-feira.
Na tela em que o desenvolvedor dialoga com a IA, ele poderá escolher com qual modelo quer interagir. Segundo o CEO do GitHub, Thomas Dohmke, essa mudança vai oferecer mais liberdade para os desenvolvedores e marca o fim da "era de um único modelo".
—A vantagem de ter uma constelação de modelos de IA ao invés de um único é que cada um deles foi treinado em um conjunto de dados diferente, com características próprias. [...] É como ter um conjunto de conselheiros ao invés de apenas um — avalia Jonathan Carter, do GitHub Next.
De acordo com o GitHub, hoje são pouco mais de 100 milhões na plataforma. Desses, 1 milhão assinam o serviço do Copilot, que custa US$ 10 mensais (cerca de R$ 57 por mês). Há também pacotes corporativos, que hoje são usados por 37 mil empresas.
No Brasil, empresas como XP e Itaú estão entre os clientes do GitHub. Em número de usuários, o país é o terceiro maior mercado da plataforma fora dos Estados Unidos, ficando atrás apenas da Índia e da China. Os brasileiros também estão entre os que mais cresceram no último ano, totalizando 5,4 milhões de programadores ativos na plataforma em 2024.
*A jornalista viajou a convite do GitHub