Racismo científico
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Categoria:Raça (classificação humana) |
Racismo científico ou racismo biológico[1][2] é a crença pseudocientífica de que existem evidências empíricas que apoiam ou justificam o racismo (discriminação racial) ou a inferioridade ou superioridade racial.[3][4] O racismo científico recorre a conceitos de antropologia, antropometria, craniometria e outras disciplinas ou pseudo-disciplinas para propor tipologias que apoiem a classificação das populações humanas em raças fisicamente distintas, que possam ser classificadas como superiores ou inferiores.[5] Atualmente as noções de racismo científico não são consideradas ciência e o termo é usado de forma pejorativa para se referir a ideias pseudocientíficas.[4]
O racismo científico foi relativamente comum no período entre o século XVII e o fim da II Guerra Mundial. Embora a partir da segunda metade do século XX tenha sido considerado obsoleto e desacreditado, em alguns meios continuou a ser usado para apoiar ou legitimar a ideias racistas, baseadas na crença de que existem categorias raciais e raças hierarquicamente inferiores e superiores.[5] Após o fim da II Guerra Mundial passou a ser denunciado em termos formais.[6] Os avanços na genética populacional humana mostraram que as diferenças genéticas são praticamente todas graduais.[7]
Antecedentes
[editar | editar código-fonte]Pensadores iluministas
[editar | editar código-fonte]Durante o Iluminismo (entre 1650 e 1780), os conceitos de monogenismo e poligenismo tornaram-se populares, embora só fossem sistematizados epistemologicamente durante o século XIX. O monogenismo afirma que todas as raças têm uma única origem, enquanto o poligenismo é a ideia de que cada raça tem uma origem separada. Até o século XVIII, as palavras "raça" e "espécie" eram intercambiáveis.[8]
Robert Boyle
[editar | editar código-fonte]Um dos primeiros cientistas que estudaram sobre raça foi Robert Boyle (1627–1691), um filósofo, químico, físico e inventor anglo-irlandês. Boyle acreditava no que hoje é chamado de "monogenismo", isto é, que todas as raças, não importa quão diversas, vieram da mesma fonte, Adão e Eva. Ele estudou histórias relatadas de pais dando à luz diferentes albinos, então ele concluiu que Adão e Eva eram originalmente brancos e que brancos podiam dar à luz diferentes raças coloridas. As teorias de Robert Hooke e Isaac Newton sobre cor e luz via dispersão óptica em física também foram estendidas por Boyle em discursos sobre a poligênese, especulando que talvez essas diferenças se devam a "impressões seminais". No entanto, os escritos de Boyle mencionam que em sua época, aos "olhos europeus", a beleza não era tão medida em cor, mas em "estatura, simetria graciosa das partes do corpo e boas características do rosto".[9] Vários membros da comunidade científica rejeitaram seus pontos de vista e os descreveram como "perturbadores" ou "divertidos".[10]
Lord Kames
[editar | editar código-fonte]O advogado escocês Henry Home, Lord Kames (1696–1782), era um poligenista: ele acreditava que Deus criara diferentes raças na Terra em regiões separadas. Em seu livro de 1734 Esboços Sobre a História do Homem, Home afirmava que o ambiente, o clima ou o estado da sociedade não podiam explicar as diferenças raciais, de modo que as raças devem ter se originado de de ações distintas e separadas.[11]
Carl Linnaeus
[editar | editar código-fonte]Carl Linnaeus (1707–1778), o médico, botânico e zoólogo sueco, modificou o padrão estabelecido das base taxonômica da nomenclatura binomial para fauna e flora, e foi um pesquisador pioneiro na definição biológica de "raça humana". Em Systema Naturae (1767), ele rotulou[12] "variedades"[13][14] de espécies humanas. Cada uma delas foi descritas como possuindo as seguintes características fisionômicas "variando por cultura e lugar":[15]
- Os Americanus: vermelho, colérico, justo; cabelo preto, liso e grosso; teimoso, zeloso, livre; pinta-se com linhas vermelhas, é regulado pelos costumes.[16]
- Os Europeanus: branco, sanguíneo, acastanhado; com cabelo abundante e comprido; olhos azuis; gentil, agudo, inventivo; coberto com roupas fechadas; e governado por leis.[17]
- Os Asiaticus: amarelo, melancólico, rígido; cabelo preto, olhos escuros; severo, altivo, ganancioso; coberto com roupas soltas; e governado por opiniões.[18]
- Os Afer ou Africanus: negro, fleumático, relaxado; cabelo preto e frisado; pele sedosa, nariz achatado, lábios túmidos; fêmeas sem vergonha; glândulas mamárias dão leite abundantemente; astuto, preguiçoso, lascivo, descuidado; unge-se com gordura; é governado por caprichos.[19]
- Os Monstrosus eram seres humanos mitológicos que não apareciam nas primeiras edições do Systema Naturae. As subespécies incluíam o Homo feralis (homem feral) de quatro patas, mudo e peludo; o juvenil Juvenis lupinus hessensis (o lobo hessiano), o Juvenis hannoveranus (menino hanoveriano), a Puella campanica e o ágil mas frágil Homo monstrosus (o homem monstruoso): o gigante patagônico, o anão dos Alpes e o monóculo Khoikhoi (hotentote). Em Amoenitates academicae (1763), Linnaeus apresentou o mitológico Homo anthropomorpha (homem antropomórfico), criaturas humanoides, como o troglodita, o sátiro, a hidra e a fênix, incorretamente identificadas como criaturas simiescas.[20]
Ver também
[editar | editar código-fonte]Referências
- ↑ Weitz, Eric D. (27 de abril de 2015). A Century of Genocide: Utopias of Race and Nation (em inglês). [S.l.]: Princeton University Press. ISBN 9781400866229
- ↑ Signer, Michael Alan (2000). Humanity at the Limit: The Impact of the Holocaust Experience on Jews and Christians. Indiana University Press. p. 202. ISBN 0253337399.
- ↑ "Ostensibly scientific": cf. Theodore M. Porter, Dorothy Ross (eds.) 2003.The Cambridge History of Science: Volume 7, The Modern Social Sciences Cambridge University Press, p. 293 "A raça tem desempenhado há bastante tempo um poderoso papel popular na explicação de traços sociais e culturais, muitas vezes em termos ostensivamente científicos."; Adam Kuper, Jessica Kuper (eds.), The Social Science Encyclopedia (1996), "Racism", p. 716: "Este [sc. racismo científico] implicava o uso de "técnicas científicas" para sancionar a crença na superioridade racial européia e americana"; Routledge Encyclopedia of Philosophy: Questions to Sociobiology (1998), "Race, theories of", p. 18: "Seus expoentes tendiam a equiparar raça com espécie e afirmavam que ela constituía uma explicação científica da história humana"; Terry Jay Ellingson, The myth of the noble savage (2001), 147ff. "No racismo científico, o racismo nunca foi muito científico; nem, poderia ao menos, ser argumentado, era qualquer coisa que preenchesse as qualificações da ciência real sempre muito racista" (p. 151); Paul A. Erickson, Liam D. Murphy, A History of Anthropological Theory (2008), p. 152: "Racismo científico: ciência imprópria ou incorreta que apoia ativamente ou passivamente o racismo".
- ↑ a b Kurtz, Paul (setembro de 2004). «Can the Sciences Help Us to Make Wise Ethical Judgments?». Committee for Skeptical Inquiry. Skeptical Inquirer. Consultado em 1 de dezembro de 2007. Cópia arquivada em 23 de novembro de 2007.
Tem havido abundantes ilustrações de teorias pseudocientíficas - teorias monocausais do comportamento humano que foram saudadas como "científicas" - que foram aplicadas com resultados desastrosos. Exemplos: ... Muitos racistas hoje apontam para o QI para justificar um papel de apoio aos negros na sociedade e sua oposição à ação afirmativa.
- ↑ a b Cf. Patricia Hill Collins, Black feminist thought: knowledge, consciousness, and the politics of empowerment (2nd ed., 2000), Glossary, p. 300: "Scientific racism was designed to prove the inferiority of people of color"; Simon During, Cultural studies: a critical introduction (2005), p. 163: "It [sc. scientific racism] became such a powerful idea because ... it helped legitimate the domination of the globe by whites"; David Brown and Clive Webb, Race in the American South: From Slavery to Civil Rights (2007), p. 75: "...the idea of a hierarchy of races was driven by an influential, secular, scientific discourse in the second half of the eighteenth century and was rapidly disseminated during the nineteenth century".
- ↑ UNESCO, The Race Question, p. 8
- ↑ Cavalli-Sforza, L. L. (2001). Genes, Peoples and Languages, p. 30. Penguin Books, London. ISBN 9780865475298.
- ↑ Jen E. Boyle (2 de março de 2017). Anamorphosis in Early Modern Literature: Mediation and Affect (em inglês). [S.l.]: Taylor & Francis. p. 74. ISBN 978-1-351-95851-6
- ↑ Robert Boyle (1664), "Experiments and Considerations Touching Colours", Henry Herringman, Londres, pp. 160–61
- ↑ Palmeri, Frank (2006). Humans And Other Animals in Eighteenth-Century British Culture: Representation, Hybridity, Ethics. [S.l.: s.n.] pp. 49–67
- ↑ Jackson, John P.; Weidman, Nadine M. (2005). Race, Racism, and Science: Social Impact and Interaction. [S.l.]: Rutgers University Press. pp. 39–41
- ↑ Inicialmente, Linnaeus havia descrito apenas quatro categorias: Europseus albus, Americanus rubescens, Asiaticus fuscus, & Africanus niger. Only later editions included the "Monstrosus".
- ↑ Linnaeus não usou o termo "raça". Ele usou o termo "Homo variat", como pode ser visto em Systema naturae, p. 34.
- ↑ Gloria Ramon (2002), "Race: Social Concept, Biological Idea"
- ↑ Linnaeus usou os termo latinos: diurnus, varians cultura, loco: Systema Naturae, 13th edition, p. 29
- ↑ Em latim: rufus, cholericus, rectus. Pilis: nigris, rectis, crassis. Naribus: Patulis. Facie: ephelitica. Mento: subimberbi. Pertinax, contentus, liber. Pingit: Se lineis daedaleis rubris. Regitur Consuetudine.
- ↑ Em latim: albus, sanguineus, torosus. Pilis flavescentibus, prolixis. Oculis caeruleis. Levis, argutus, inventor. Tegitur Vestimentis arctis. Regitur Ritibus.
- ↑ Em latim: luridus, melancholicus, rigidus. Pilis nigricantibus. Oculis fuscis. Severus, fastuosus, avarus. Tegitur Indumentis laxis. Regitur Opinionibus.
- ↑ Em latim: niger, phlegmaticus, laxus. Pilis atris, contortuplicatis. Cute holosericea. Naso simo. Labiis tumidis. Feminis sinus pudoris. Mammae lactantes prolixae. Vafer, segnis, negligens. Ungit se pingui. Regitur Arbitrio.
- ↑ Reid, Gordon McGregor (2009). «Carolus Linnaeus (1707–1778): His Life, Philosophy and Science and Its Relationship to Modern Biology and Medicine». Taxon. 58 (1): 18–31. JSTOR 27756820. doi:10.1002/tax.581005